Neste 28 de abril, Dia Mundial da Educação, a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), o Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC), o Instituto Federal Catarinense (IFC) e o Movimento Humaniza SC promoveram o Dia pela Paz e pelo Desarmamento nas Escolas. A principal atividade foi uma palestra on-line da professora Lola Aronovich, voz ativa feminista na internet, pedagoga e docente da Universidade Federal do Ceará (UFC), mas, nos câmpus das instituições, estudantes e servidores também participaram de ações de conscientização e culturais relativas ao tema.
A realização do Dia pela Paz e pelo Desarmamento nas Escolas contou ainda com apoio do do Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Santa Catarina (Sinte/SC), do Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica – seção Santa Catarina (Sinasefe/SC) e do Movimento Humaniza Santa Catarina e da União Catarinense de Estudantes (UCE).
Em sua palestra, Lola relembrou sua trajetória como ativista feminista e como isso a transformou, sem querer, em uma especialista em discursos de ódio. Vítima de ataques virtuais, Lola passou a monitorar grupos neonazistas para evitar possíveis atentados contra ela. “A coisa que eu mais aprendi é que a misoginia é a porta de entrada para drogas mais pesadas na internet. A ligação entre esses grupos masculinistas e o neonazismo é fortíssima”.
Confira a íntegra da palestra:
Uma das formas de inibir a ação destes grupos seria uma atuação mais rígida das empresas ligadas a redes sociais. Ela compara o monitoramento de discurso de ódio com o monitoramento sobre pornografia infantil, que hoje é relativamente eficiente nas plataformas, indicando que se elas conseguem impedir esse tipo de conteúdo, também poderiam barrar publicações neonazistas e violentas.
Sobre a tema específico da violência nas escolas, a professora disse que é preciso fazer o acolhimento do sofrimento de crianças e adolescentes, para evitar que eles sejam presas fáceis de recrutadores “do ódio”. “Há uma equipe de pessoas para recrutar esses jovens. Eles estão em fóruns que não são necessariamente de ódio. Podem ser de games, de séries de TV. Primeiramente, eles escutam e acolhem esse jovem e, aos poucos, vão avaliando o engajamento dele em possíveis atos de violência”, relata.
Depois de um tempo, aquelas pessoas que demonstram alguma receptividade a xingamentos a certas “categorias” de seres humanos – como mulheres, trans, homossexuais, negros, etc — são convidadas para outra comunidade, muitas vezes passando por rituais de aceitação que exigem a realização de atos violentos.
“Mais importante do que ter policiais armados nas escolas, pois pesquisas nos EUA já demonstraram que não funciona, é ter monitoramento. Se eu consegui acompanhar por muitos anos, a polícia consegue fazer um trabalho melhor que o meu. E eles estão fazendo. A cada ataque que acontece, há centenas que são impedidos”, destaca Lola.
“A extrema-direita se alimenta do medo, incentivando coisas como o home schooling (educação em casa), para manipular as informações que chegam aos estudantes. A gente é a favor do diálogo, que os alunos possam ser acolhidos, que tenham acesso a psicólogo na instituição de ensino. Isso tudo é muito mais eficaz que um policial armado na escola”, completa.
Instituições de ensino e entidades defendem a paz
“Minha esperança é necessária mas não é suficiente. Ela, só, não ganha a luta, mas sem ela a luta fraqueja e titubeia”. Foi com essa frase do educador Paulo Freire que o reitor do Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC), Maurício Gariba Júnior, ao abrir a palestra de Lola Aronovich. Agradecendo a participação das demais instituições e organizações, o gestor do IFSC defendeu a paz como um caminho possível dentro das escolas.
A epígrafe citada por Gariba deu o tom da fala de todos os participantes do evento. “Estamos aproveitando este momento para nos unirmos em torno da paz, em prol da educação, das universidades, das escolas. É um momento de preocupação todas as instituições públicas, todas as instituições escolares”, afirmou o reitor da UFSC, Irineu Manoel de Souza.
“Nós somos a maioria. Não podemos deixar que a minoria atrapalhe. O que deve prevalecer é a ciência, as pesquisas. Somos fortes e nós sabemos que a educação é o maior patrimônio do nosso país”, disse Irineu.
A reitora do IFC, Sônia Regina de Souza Fernandes, destacou que, ao mesmo tempo que é uma alegria ter as instituições e organizações reunidas por um tema tão importante, é uma preocupação estarmos no século 21defender a paz e o não armamento ou desarmamento em instituições como escolas. Venho dizendo, nos últimos anos, que estamos passando por tempos difíceis e inimagináveis, e eles se encerram com a mudança de governo porque parece que se constitui em uma cultura em alguns aspectos não só o Brasil, mas mundial, de naturalização da violência”, disse.
Sônia contou da emoção que sentiu ao ver as atividades realizadas pela UFSC durante a manhã, que contaram com a Orquestra de Câmara da UFSC. “Eu tinha um preconceito com o conceito de harmonia (musical), mas é por meio de uma orquestra que a gente percebe que nos diferentes instrumentos é que se constitui a harmonia, e aí representando a paz. A paz por meio de um estudante autista tocando guitarra. Por meio de estudantes pretos, isso é paz. Por meio de estudantes brancos, isso é paz. De todos os níveis e culturas que foram ali representados, isso é paz. Esse espaço chamado escola deve ser um espaço de cultura, de conhecimento, das ciências e dos esportes”, ressaltando a necessidade da tolerância e diversidade nas instituições de ensino.
Carlos Alberto Marques, representante do Movimento Humaniza SC, também participou do evento. “O tema que nos traz aqui nos gera perplexidade. Gostaríamos de estar reivindicando outras coisas”, Bebeto, como é conhecido, apresentou um breve histórico da criação do movimento motivada especialmente pelas manifestações fascistas e neonazistas no Estado. Ele também considera que a resposta das autoridades não são ainda satisfatórias. Para ele, a cultura da violência é institucionalizada em Santa Catarina.
A presidente da União Catarinense dos Estudantes, Vitória Vito, trouxe a questão da saúde mental com estratégia fundamental para o combate à violência. “Falar de paz, falar de esperança não é novidade. Esperança foi o lema do movimento estudantil nos últimos anos. Esperançar era tudo o que a gente podia fazer”, recordou.
Segundo ela, o que a sociedade vive é o resultado da onda de ódio que assolou o país e que hoje assola as escolas, crianças e adolescentes. Mas eu queria focar não só no externo, nessas ameaças que a gente vem falando, mas é fundamental estar no cerne das nossas discussões o papel das instituições, universidades e dos programas de assistência à saúde mental. Não dá para falar de paz e de segurança sem falar da saúde mental do estudante, do adolescente, da criança. Não tem como reconstruir a sensação de paz sem falar em colocar investimento nos programas de cultura, de lazer, de arte. A gente precisa pensar menos em detector de metal e mais em psicopedagogo, mais psicólogo, mais esporte nas escolas”, defendeu Vitória.
O representante do Sinasefe/SC, Paulo Amorim, também ressaltou que é preciso prestar atenção em todo o tipo de violência. “O ódio não pode calar o nosso desejo de construir um mundo melhor. Não podemos ignorar violências menores porque toda violência se conecta. Aquele horror que vimos, tem a ver com a normalização (dos discursos de ódio). A violência que começa no discurso, infelizmente, termina na materialidade”.
O pró-reitor de Ensino do IFSC, Adriano Larentes da Silva, relembrou que mesmo antes do ataque em Blumenau, as instituições já vinham realizando ações no sentido de diminuir a violência, citando a Política contra o Assédio do IFSC, a realização de palestras; Adriano também comentou sobre as atividades realizadas nessa sexta em praticamente todos os câmpus do IFSC.
Texto: Sabrina D’Aquino/Jornalista – IFSC
Fotos: Geisa Golin/Divulgação – IFSC