Dia Internacional de Combate à Discriminação Racial, celebrado em 21 de março, tem objetivo de reconhecer a batalha e as conquistas de direitos sociais para todas as raças. A data foi instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU) em memória ao Massacre de Sharpeville, que ocorreu na África do Sul em 1966. Nesta data, tropas do exército local atiraram contra pessoas negras que protestavam pacificamente contra a instituição da Lei do Passe. Na ocasião, 186 pessoas ficaram feridas e 69 pessoas morreram.
No Brasil, a luta contra a discriminação racial se intensificou após a Constituição Federal de 1988, quando foi incluído o crime de racismo como inafiançável e imprescritível. Outro marco é a Lei 11.645, de março de 2008, que tornou obrigatório o estudo da história e cultura indígena e afro-brasileira nas escolas de ensino fundamental e de ensino médio, públicas e privadas. Entretanto, o combate ao racismo ainda exige mais ações e muitas delas passam pela educação.
Nos 15 campi do Instituto Federal Catarinense (IFC) estão matriculados 12.245 estudantes, em cursos de nível técnico e graduação, destes 2.311 se autodeclaram negros ou pardos. Entre os servidores ativos, aposentados e substitutos, o IFC (campi e reitoria) é composto por 2.117 pessoas e 305 delas se autodeclaram negras ou pardas. Esses números refletem a realidade do sul brasileiro. Segundo dados do Censo 2022, a região sul possui o maior percentual de população branca do Brasil (72,6%). População preta é 5%; parda 21,7%; amarela 0,4%; indígena 0,3%.
Parte desses estudantes e servidores ingressaram no IFC por meio do programa de ações afirmativas, conforme as legislações federais. De acordo com Iara Mantoanelli, assistente social e pró-reitora de Desenvolvimento, Inclusão, Diversidade e Assistência à Pessoa (Propessoas) no IFC, as ações afirmativas vieram significativamente para mudar os rumos da educação no país e também para dar oportunidades a quem pouco ou quase nada acessava uma educação gratuita e de qualidade. “Entendemos as ações afirmativas como preventivas e reparadoras no sentido de favorecer indivíduos que historicamente são discriminados. Portanto, garantir o acesso a estudantes e servidores torna nossa instituição plural e comprometida na igualdade de oportunidades. Entretanto, mais do que garantir o acesso, precisamos trabalhar muito para efetivar nossa política de permanência e êxito dos estudantes. Ações que deem conta do atendimento a um público diversificado, que, em sua maioria, é socioeconomicamente vulnerável e egresso de sistemas públicos de ensino em regiões com baixo índice de desenvolvimento educacional”, destaca Mantoanelli.
Recentemente, foi criada no IFC a Coordenação de Direitos Humanos, Inclusão e Diversidade (CDHID), ligada à Propessoas, e coordenada pela professora de Atendimento Educacional Especializado, Luana Tillmann. “A coordenação tem como objetivo fortalecer as ações relacionadas às temáticas desenvolvidas pelos núcleos inclusivos, contribuindo com a ampliação da cultura da inclusão, respeito e valorização à diversidade humana, bem como, combate à quaisquer formas de discriminação. Essa coordenação, de modo interseccionado, atua diretamente com o suporte ao Conselho de Inclusão e Diversidade e com a assessoria a demais instâncias do IFC, uma vez que a temática da inclusão e diversidade atravessa a atuação dos setores em todas as pró-reitorias”, explica a coordenadora.
Referente ao combate à discriminação racial, Tillmann conta que a CDHID, juntamente com o Conselho de Inclusão e Diversidade, está planejando e articulando a elaboração de protocolos institucionais que buscam combater esta, e outras formas de discriminação, por meio do acolhimento de vítimas e das formas de responsabilização de quem as comete.
Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (Neabi)
Um dos espaços institucionais para promoção do debate sobre estas questões é o Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (Neabi), voltado para o fomento a estudos das questões étnico-raciais e desenvolvimento de ações de valorização das identidades afrodescendentes e indígenas. Compostos por servidores e estudantes, os núcleos são formados em cada uma das 16 unidades (reitoria e campi) e um Neabi Institucional (com um representante de cada unidade).
Para Amália Cardona Leites, professora de Língua Portuguesa e Espanhola, no IFC Campus Ibirama, e coordenadora do Neabi Institucional, a existência dos núcleos é de fundamental importância para instigar a discussão da temática étnico-racial, pois são espaços institucionalizados nos quais ocorre um diálogo horizontal entre servidores e estudantes.
“Existem diversas maneiras de abordar a temática étnico-racial e somente com esta integração é possível pensar em formas de atingir a totalidade da comunidade acadêmica. Entretanto, precisamos lembrar que não compete apenas aos Neabis executar o disposto nas leis 10639/03 e 11645/08, que instituíram a obrigatoriedade da história e cultura afro-brasileira e indígena na educação básica. Ao longo dos anos temos percebido que precisamos avançar na compreensão de que a incorporação desta temática diz respeito à instituição como um todo, ou seja: não basta existir o Neabi nos campi para que o combate à discriminação racial aconteça. Os próprios estudantes percebem quando a totalidade dos servidores está comprometida (ou não) com uma causa”, expõe a coordenadora.
Bolsista no Neabi do Campus Ibirama, a estudante do terceiro ano do curso técnico em Vestuário integrado ao ensino médio, Luana Franciele Davi da Luz, 17 anos, se autodeclara negra e revela que ao se inscrever para o curso, optou pelas ações afirmativas, porém não foram necessárias, pois a turma não ultrapassou o limite de vagas. Ela conta que conheceu o Neabi em 2022, quando entrou no campus, e desde então atua como membro ativo do núcleo. “Eu acredito que o Neabi é fundamental dentro da instituição, pois promove a diversidade, a inclusão e o combate ao racismo, preconceito e a discriminação dentro do IFC, através de espaços onde os discentes, docentes e a comunidade tem oportunidade de conhecer, debater e se conscientizar sobre as culturas, histórias, construções sociais e outras temas relacionados aos povos indígenas, afro-brasileiros e africanos. Como o IFC é um ambiente escolar, ter um espaço que valorize os povos indígenas, afro-brasileiros e africanos é importante. O Brasil, infelizmente, tem uma estrutura socialmente racista, então falar sobre racismo e reconhecer os povos indígenas, afro-brasileiros e africanos se torna algo distante do nosso dia a dia, especialmente dentro da escola. De forma geral, o Neabi é um núcleo fundamental para promover a diversidade, a inclusão, o combate ao racismo e para trazer o reconhecimento dos povos negros e indígenas, que há tanto tempo foram marginalizados e invisibilizados”, afirma a jovem.
Luz diz se sentir realizada estudando no IFC Campus Ibirama, e sabe que a melhora vem com o tempo, mas está contente em já estar vendo os resultados através do Neabi. “Por mais que ainda exista a discriminação racial, ter uma instituição que abre espaço para a diversidade e a luta contra as violências traz segurança e conforto. Muitos que entraram no Neabi junto comigo relatam as mudanças e como o núcleo foi necessário para descolonizar seus pensamentos. Quero destacar que cada estudante, professor, servidor e a comunidade externa do IFC são fundamentais para a luta contra a discriminação racial dentro do instituto e no Brasil todo”, reforça.
“A meu ver, o IFC pode melhorar trazendo mais atividades, discussões e eventos relacionados às questões étnicos-raciais e com a vinda de palestrantes negros e indígenas ou organizações que trabalham com esses temas, mas necessitam remuneração para esses fins. O IFC deve sempre destacar que o instituto é um ambiente escolar, e não tolera qualquer tipo de discriminação, racismo e preconceito. Infelizmente, no campus ainda ocorrem casos de racismo e discriminação, e muitas vezes não é tratado com a devida importância, então vejo que é importante o IFC sempre se manifestar contra essas violências e trazer essas discussões no dia a dia, tanto para a comunidade externa como interna. Por fim, o IFC sempre tem que mostrar que é um ambiente acolhedor, dando espaço à diversidade não só entre os estudantes, mas também entre os professores e demais servidores”, enfatiza a estudante.
Segundo Leites, as equipes do Neabi buscam alternativas para aprimorar os espaços de discussão e conscientizar a comunidade acadêmica. “O combate à discriminação racial ocorre quando falamos de racismo e preconceito, mas também ocorre quando estudamos e debatemos todo tipo de conteúdo a partir de uma perspectiva afro-centrada ou indígena-centrada. Assim, de acordo com a realidade local e composição do núcleo, são realizadas diferentes ações ao longo do ano. Alguns campi têm mais participação de estudantes do que outros, por exemplo, o que por consequência influencia nas atividades realizadas. As atividades mais frequentemente feitas são palestras, rodas de conversa, cine-debate, exposições e criação de vídeos e material informativo para as redes sociais”, declara a coordenadora do Neabi.
Entre as ações desenvolvidas pelo Neabi Institucional, foi lançada, em abril de 2023, a cartilha “Racismo não é mal-entendido. Racismo é crime! Cartilha para um IFC sem racismo”.
Texto: Cecom/Reitoria/Rosiane Magalhães
Arte: Cecom/Reitoria/Andréa Santana
Fotos: Arquivos pessoais